Tancredo Lobo
Uma diversificada tribo se movimenta no entrecruzamento de fronteiras estaduais do Ceará, Pernambuco e Piauí, na Chapada do Araripe, no Posto da Serra (antigo Posto do Exu), Brasil. É o IX Encontro de Saberes da Caatinga, Raizeiros (as), Benzedeiros (as), Mestras (es) da Cultura e Parteiros (as). Uma realização coletiva de Ongs, órgãos governamentais e religiosos. Do além-fronteiras, vem gente de Fortaleza, Recife, Brasília, do Centro-oeste, do Sudeste e Sul, e do exterior. É um colorido de gestos, cores, sotaques, faixas etárias, barracas, tendas e atividades reflexivas, curativas, exposição de produtos artesanais e cultivados na terra. São 80 “oficinas” de práticas integrativas em saúde e experimentação agroflorestal e saberes tradicionais. É uma profusão de abraços, encontros e reencontros na troca de saberes.
A história desse Encontro remonta à década de 1980. Segundo Antonio Alencar Sampaio (um dos coordenadores), iniciou-se com a ideia do médico e raizeiro, chamado “doutor” Cerelino, na Casa da Criança, Olinda, Pernambuco. Se espalhou por outras plagas até chegar na Chapada do Araripe.
No Encontro deste ano de 2025, uma preocupação ocupa um largo espaço: a invasão da Chapada do Araripe pelo agronegócio e a monocultura de soja e milho.
Por isso, foi lançado o “Manifesto pela vida da Chapada do Araripe”, como um “grito de desespero em nome e em defesa vida”. O Manifesto anuncia que se trata de bioma de características únicas, também chamado Caatinga, pois uma transição entre o Carrasco, o Cerrado e resquícios da Floresta Úmida, especialmente no sopé, onde se encontravam centenas de fontes naturais de água, ou “as últimas águas”. Onde habitam espécies endêmicas de fauna e flora, como: Jacu-cacá (Penelope Jacucaca), Soldadinho-do-Araripe (Antilophia Bokermanni).
Segundo levantamento do II Seminário de Pesquisa APA Araripe, URCA (2017), a flora do bioma Araripe abriga aproximadamente 516 espécie, dentre elas: pau-pereiro, umbuzeiro, catingueira, juazeiro, pequi, copaíba etc. Espécies que englobam grandes árvores a uma variedade de fungos. Uma fauna de aproximadamente 483 espécies catalogadas, sendo 298 aves, 90 mamíferos, 71 répteis, 24 anfíbios etc.
A FLONA é a primeira floresta nacional criada no Brasil, em 1946, estende-se num altiplano fronteiriço entre Ceará, Pernambuco e Piauí, com 38 mil hectares. Foi estendida, por decreto de 04 de agosto de 1997, pela criação da APA Chapada do Araripe, como unidade de conservação federal, gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, possui pouco mais de um milhão de hectares e inclui território de 33 municípios.
Além de fauna e flora de riqueza inestimável, possui ainda variados sítios arqueológicos e paleontológicos, ainda carentes de conhecimento e preservação devidos.
Junto ao anúncio dessa magnífica riqueza, desconhecida e vilipendiada, o Encontro de Saberes apresenta uma grave Denuncia: a ocupação desenfreada da Chapada pela monocultura, trazendo desmatamento, agrotóxico e extinção. É sabido que o solo da Chapada do Araripe é inadequado para a agricultura extensiva ou para a pecuária em larga escala. Por isso, os agricultores e as comunidades tradicionais e extrativistas denunciam que, para que aportem grandes investimentos em monocultura, há que se utilizar de incalculáveis quantidades de fertilizantes químicos, agrotóxicos e defensivos agrícola. Os efeitos nefastos dessa ocupação predatória já estão sendo sentidos, na contaminação do solo e da água.
Por isso, o referido Manifesto exige que se cuidem dos recursos naturais e das populações que habitam e dependem da Chapada do Araripe. Que se definam políticas públicas responsáveis de ocupação do território; que se faça justiça climática ante as populações vulneráveis da região; que se promova educação ambiental para que a sociedade passe a conhecer e preservar as riquezas da Chapada do Araripe no presente e para o futuro.
O anúncio que parte de um ponto equidistante entre as capitais dos estados nordestinos – a Chapada do Araripe – é de que a luta pela preservação da Vida vai ser uma batalha longa e desigual, mas ética e política, porque ancorada na esperança que emana do encontro humano e o amor por toda espécie de vida.